A
linguagem analisada do prisma sociológico apresenta duas teorias paradoxais: Ferdinand
de Saussure prega que a língua possui um caráter social muito forte, unindo
harmoniosamente os indivíduos que falam a mesma língua através de associações
de consentimento coletivo existente entre eles à respeito dos signos utilizados
na comunicação. “A língua seria uma espécie de consciência coletiva unificadora
dos indivíduos de uma comunidade linguística” (p.02). Enquanto que o linguista
soviético Mikhail Bakhtine interpreta a linguagem como uma ferramenta de uso
comum aos indivíduos que se encontra em constante atualização, absorvendo neste
processo todas as influências contextuais da sociedade em que é utilizada tais
como classes sociais, momento histórico, regime político, religião, etnia, etc.
Através
desta discussão ocorrida entre as duas teorias, Maestri e Carboni nos convidam
a discorrer sobre as realidades sociais que fizeram surgir os diferentes signos
que compõe a linguagem. Quais as influências sofridas e como isso acarreta no
seu entendimento histórico. Um bom exemplo é percebido quando ao citar Engels,
os autores demonstram que a primeira forma de opressão surgida na terra foi a
do homem sobre a mulher. E este fato fica registrado quando na construção da
maioria das linguagens, o gênero feminino é dissolvido pelo masculino para
abranger, sintetizar e até para neutralizar um signo linguístico, evidenciando
assim a condição dominante do homem sobre a mulher nestas sociedades.“O
homem faz sua história tendo consciência quando muito apenas parcial de como e
porque a faz. No mesmo sentido, ele produz a linguagem com um grau de
consciência muito limitado de sua construção e dos sentidos de seu conteúdo”
(p.07).
Os
autores chamam a atenção para a importância deste conhecimento pois também
nestas condições de superioridade versus inferioridade, foram escritas as
histórias dos povos colonizados na América do sul. Para demonstrar isto são
citados no texto, estudos morfológicos à cerca de signos utilizados na obra de
Pero de Magalhães de Gândavo, considerada a primeira obra de cunho
historiográfico no Brasil, História da
Província de Santa Cruz datada dos anos de 1560.
Sabe-se
que os europeus chegando à América desejavam colonizar as terras aqui
existentes com o objetivo de arrecadar riquezas para eles e sua terra natal, em
detrimento dos povos aqui já estabelecidos. Para tanto, uma forma de justificar
estas ações seria destituir do indivíduo aqui residente, a sua condição humana.
Para isso foram utilizadas muitas estratégias e uma delas foi a linguística,
que apresentaria signos pejorativos e generalistas sobre estes habitantes tais
como selvagens, feras e silvícolas que absolveriam diante da sociedade europeia
e a igreja os atos de barbárie cometidos pelos colonizadores. Neste texto o
autor evidencia este fato de uma forma que desperta no leitor o interesse sobre
o assunto, apresentando nas diferentes nomenclaturas que os habitantes nativos
da América tiveram ao decorrer da colonização, toda a semântica e o contexto
histórico intrínseco na gênese do nome.
Mesmo
para Platão “a escravidão de um indivíduo ou de um povo devia-se a incapacidade
de autogovernar-se, por falta de discernimento intelectual, cultural e moral”
(p.16). Os colonizadores europeus viram com seus olhos aquilo que queriam ver:
um povo sem intelectualidade, sem cultura e sem moral, demonstrando em suas
ações, pensamentos embasados pela filosofia grega. Através deste estudo fica
evidente a conexão. “Ainda
que o termo “cativo” sugira, com mais propriedade, uma condição nascida da
violência social, prossegue sendo categoria alienada e alienante, ao não
expressar a natureza profunda da relação de produção que enseja e justifica a
própria dominação do homem pelo homem” (p.28).
Outro grande expoente que sempre
deve ser levado em consideração ao se estudar linguística é Lev Vygotsky
(1896-1934) que além de trazer importantes contribuições para os estudos pedagógicos,
demonstra como a linguagem interfere no desenvolvimento social do sujeito. Para
Vygotsky a linguagem, além da comunicação, desempenha um papel muito mais
considerável que a simples representação vogal dos sentimentos, pensamentos e
considerações do indivíduo sobre o ambiente que o cerca. Em sua abordagem, a
linguagem também serve para organizar os processos mentais em diferentes
categorias, ordenando e orientando o processo de assimilação do conhecimento.
Em suma, sintetiza o conhecimento adquirido atribuindo formas aos pensamentos
decorrentes da experiência que o indivíduo está vivenciando, organizando o
processo mental, possibilitando o desenvolvimento do pensamento para
capacidades cognitivas mais complexas. Vygotsky apresenta a linguagem como
evidência à sua argumentação em relação à natureza social do desenvolvimento
humano. Podemos perceber estas evidências deste condicionamento do
desenvolvimento humano ao convívio social em um episódio recente de uma criança
que foi criada por lobos na região de Kalunga na Rússia e foi posteriormente
encontrada apresentando quadros de distúrbios psicológicos, comportamento
violento e sem capacidade de raciocínio ou interação (2007).
Como apresentado por
Vygotsky, a linguagem pode interferir inclusive em processos biológicos
cerebrais e, portanto, se má utilizada, pode enraizar preconceitos ou até
instituir a banalização de certos atos, assim como almejava Pero de Magalhães
de Gândavo quando em sua obra destituía dos habitantes locais sua condição de
humanidade para poder justificar a escravidão e outros atos de violência. Para
tanto o estudo da linguística é de fundamental contribuição para aqueles que buscam nas raízes históricas o
entendimento das causas para as condições sociais atuais e de suas
transformações.
FONTES
MAESTRI,
Mário; CARBONI, Florence. A Linguagem
Escravizada: língua, história, poder e luta de classes (2003). Editora Expressão Popular. 96p.
LUIZ,
Fernanda B.; LUCA, Gabriel G.; FONSECA, Fabiana B. Psicologia da Educação
(2018). Editora Fael. 168p.