quarta-feira, 31 de julho de 2019









Macuilxochitzin – Uma mulher na História

            Haja vista que em grande parte de nossa história as mulheres foram consideradas seres limitados e inferiores em comparação aos homens nas mais remotas civilizações existentes, quando estas conquistavam grandes feitos e galgavam uma posição social ou militar de prestígio, seus nomes eram crivados nos pergaminhos com o peso que a exceção à regra pré-dispõe na mente dos leitores já tão acostumados com nomenclaturas masculinas nestes postos. Porém aqui não se propõe discorrer de uma mulher que tenha vivido este roteiro estabelecido para o estrelato histórico, mas sim de uma que se fez conhecida com a simplicidade que, uma filha da realeza e mãe de um príncipe, nos consente projetar.
            O historiador Fernando Alvarado Tezozómoc (1525-1606) autor da Crónica mexicáyotl nos faz conhecer sobre a família desta notável mulher “Los otros doce hijos del viejo Tlacaélel Cihuacóatl, cada uno tuvo distinta madre, fueron engendrados en sitios diferentes. He aqui sus nombres ... Estos dos fueron mujeres, el séptimo la llamada Tollin­tzin, el octavo la llamada Macuilxochitzin. De ella nació el prlncipe Cuauhtlapaltzin"[1].
            O pai de Macuilxochitzin, se chamava Cihuacoatl Tlacaélel e era o conselheiro do rei asteca Axayácatl (reinou de 1469 a 1481), considerado bastante respeitado, tanto ao ponto de Tezozómoc se referir à ele em seus textos como “conquistador del mundo”[2].
Do alto de seu cargo hierárquico teve condições de proporcionar uma educação de qualidade à sua prole, incluindo Macuilxochitzin. Seguindo este raciocínio, dentre os estudos que ela teve acesso podemos citar o bordado, o tear, a astronomia, o calendário ritual, a retórica e também a arte de improvisar rimas e cantos que eram utilizados tanto nas guerras quanto em rituais sagrados.
As mulheres que se dedicavam à esta arte eram conhecidas como forjadoras de cantos, existindo inclusive representações destas no Códice Florentino. Macuilxochitzin era uma delas e apenas um de seus poemas perdurou até os nossos dias, este se encontra arquivado na coleção da Biblioteca Nacional do México. Neste canto, ela narra uma das batalhas ao qual participou tanto seu pai quanto o rei Axayácatl, um embate que foi relatado por diferentes historiadores ao longo dos séculos, porém, Macuilxochitzin, como filha do conselheiro real, teve acesso à detalhes da batalha que poderiam passar despercebidos à olhares famintos por grandes feitos.
Ela nos conta que o senhor dos astecas foi ferido nesta batalha por um capitão do exército inimigo chamado Tlílatl, e que quando este é levado diante do rei para receber o castigo pela desrespeitosa investida, este aparece fazendo reverências e lhe oferecendo uma pele de viado e uma torra de madeira como pedido de desculpas.
Estes itens talvez representassem as riquezas e tesouros do pobre povo Otomí que na ocasião estava sendo atacado pelo exército do rei Axayácatl. Porém, como percebemos nas últimas linhas do canto de Macuilxochitzin, a fúria do rei só é aplacada (pelo menos por hora) com a intervenção das mulheres de Tlílatl, que suplicavam ao rei por misericórdia.
É cativante perceber como a sensibilidade de uma mulher logo inclui em seu relato a participação das mulheres no desfecho da história, assim como nos chama atenção à pobreza dos conquistados. Isto nos faz questionar o quão vasto seria a riqueza de detalhes se demais relatos históricos contidos nos livros didáticos fossem concebidos por mulheres. Assim como a história dos dias atuais atesta a necessidade de se exercitar a alteridade e a inclusão de pontos de vista opostos para enriquecer a construção do conhecimento, é de suma importância perceber que a história foi concebida e escrita pelos homens, e a visão da mulher sobre estes períodos deve ser resgatada.
Até hoje a mulher é forçada à lutar pela sua posição na sociedade, um ponto de igualdade de direitos e de desconstrução do pensamento machista presente nas relações sociais de todos os países do mundo. Uma luta tão antiga quanto à que intentava pelo fim da escravidão, já que também são do contato com os ideais iluministas que surgem os primeiros escritos de caráter feminista, como por exemplo “Em Defesa dos Direitos das Mulheres por Mary Wollstonecraft (1759-1797).
Visto que até o final do século XIX  a história tinha como objetivo principal o estudo das grandes personalidades e dos grandes acontecimentos sociais e militares, obviamente que Macuilxochitzin acabou por ficar de fora, não somente ela mas muitos “homens comuns” também não tiveram sua história relatada, nem é argumentado aqui a necessidade de se estudar todos os seres humanos individualmente, porém ao se tratar das mulheres, praticamente se excluíam dos relatos um gênero inteiro.
Descartando as mulheres inseridas no cenário proposto no início do texto, sobram poucas informações sobre este gênero ao longo dos séculos. Assim como sobre Macuilxochitzin, da qual temos conhecimento ínfimo, ela acaba apenas por se enquadrar como mais uma mulher na história (ou fora dela). Macuilxochitzin, portanto, desempenha um papel de inestimável posição dentro da história, além de enriquecer a historiografia asteca, representa um grito por atenção e por inclusão de todo um gênero, um pedido de socorro ao qual o historiador contemporâneo não pode dar as costas.


Fontes:


[1] Tezozómoc, Fernando Alvarado, Crónica mexicáyotl, Instituto de Investigaciones Históricas, México, 1949, p .. 128.
[2] Temzómoc, Fernando Alvarado, op. cit .• p. 121.

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