Macuilxochitzin – Uma mulher na História
Haja vista que em grande parte de
nossa história as mulheres foram consideradas seres limitados e inferiores em
comparação aos homens nas mais remotas civilizações existentes, quando estas
conquistavam grandes feitos e galgavam uma posição social ou militar de
prestígio, seus nomes eram crivados nos pergaminhos com o peso que a exceção à
regra pré-dispõe na mente dos leitores já tão acostumados com nomenclaturas
masculinas nestes postos. Porém aqui não se propõe discorrer de uma mulher que
tenha vivido este roteiro estabelecido para o estrelato histórico, mas sim de
uma que se fez conhecida com a simplicidade que, uma filha da realeza e mãe de
um príncipe, nos consente projetar.
O historiador Fernando Alvarado
Tezozómoc (1525-1606) autor da Crónica
mexicáyotl nos faz conhecer sobre a família desta notável mulher “Los otros doce hijos del viejo Tlacaélel
Cihuacóatl, cada uno tuvo distinta madre, fueron engendrados en sitios
diferentes. He aqui sus nombres ... Estos dos fueron mujeres, el séptimo la
llamada Tollintzin, el octavo la llamada Macuilxochitzin. De ella nació el
prlncipe Cuauhtlapaltzin"[1].
O pai de Macuilxochitzin, se chamava
Cihuacoatl Tlacaélel e era o conselheiro do rei asteca Axayácatl (reinou de 1469 a 1481), considerado bastante respeitado, tanto ao ponto
de Tezozómoc se referir à ele em seus textos como “conquistador del mundo”[2].
Do alto de seu cargo hierárquico teve
condições de proporcionar uma educação de qualidade à sua prole, incluindo
Macuilxochitzin. Seguindo este raciocínio, dentre os estudos que ela teve
acesso podemos citar o bordado, o tear, a astronomia, o calendário ritual, a
retórica e também a arte de improvisar rimas e cantos que eram utilizados tanto
nas guerras quanto em rituais sagrados.
As mulheres que se dedicavam à esta arte
eram conhecidas como forjadoras de cantos, existindo inclusive representações destas
no Códice Florentino. Macuilxochitzin era uma delas e apenas um de seus poemas
perdurou até os nossos dias, este se encontra arquivado na coleção da
Biblioteca Nacional do México. Neste canto, ela narra uma das batalhas ao qual
participou tanto seu pai quanto o rei Axayácatl, um embate que foi relatado por
diferentes historiadores ao longo dos séculos, porém, Macuilxochitzin,
como filha do conselheiro real, teve acesso à detalhes da batalha que poderiam
passar despercebidos à olhares famintos por grandes feitos.
Ela nos conta que o senhor dos astecas
foi ferido nesta batalha por um capitão do exército inimigo chamado Tlílatl, e
que quando este é levado diante do rei para receber o castigo pela
desrespeitosa investida, este aparece fazendo reverências e lhe oferecendo uma
pele de viado e uma torra de madeira como pedido de desculpas.
Estes itens talvez representassem as
riquezas e tesouros do pobre povo Otomí que na ocasião estava sendo atacado
pelo exército do rei Axayácatl. Porém, como percebemos nas últimas linhas do
canto de Macuilxochitzin, a fúria do rei só é aplacada (pelo menos por hora)
com a intervenção das mulheres de Tlílatl, que suplicavam ao rei por
misericórdia.
É cativante perceber como a
sensibilidade de uma mulher logo inclui em seu relato a participação das
mulheres no desfecho da história, assim como nos chama atenção à pobreza dos
conquistados. Isto nos faz questionar o quão vasto seria a riqueza de detalhes
se demais relatos históricos contidos nos livros didáticos fossem concebidos
por mulheres. Assim como a história dos dias atuais atesta a necessidade de se
exercitar a alteridade e a inclusão de pontos de vista opostos para enriquecer
a construção do conhecimento, é de suma importância perceber que a história foi
concebida e escrita pelos homens, e a visão da mulher sobre estes períodos deve
ser resgatada.
Até hoje a mulher é forçada à lutar pela
sua posição na sociedade, um ponto de igualdade de direitos e de desconstrução
do pensamento machista presente nas relações sociais de todos os países do
mundo. Uma luta tão antiga quanto à que intentava pelo fim da escravidão, já
que também são do contato com os ideais iluministas que surgem os primeiros
escritos de caráter feminista, como por exemplo “Em Defesa dos Direitos das
Mulheres por Mary Wollstonecraft (1759-1797).
Visto que até o final do século XIX a história tinha como objetivo principal o
estudo das grandes personalidades e dos grandes acontecimentos sociais e
militares, obviamente que Macuilxochitzin acabou por ficar de fora, não somente
ela mas muitos “homens comuns” também não tiveram sua história relatada, nem é
argumentado aqui a necessidade de se estudar todos os seres humanos
individualmente, porém ao se tratar das mulheres, praticamente se excluíam dos
relatos um gênero inteiro.
Descartando as mulheres inseridas no
cenário proposto no início do texto, sobram poucas informações sobre este
gênero ao longo dos séculos. Assim como sobre Macuilxochitzin, da qual temos
conhecimento ínfimo, ela acaba apenas por se enquadrar como mais uma mulher na
história (ou fora dela). Macuilxochitzin, portanto, desempenha um papel de
inestimável posição dentro da história, além de enriquecer a historiografia
asteca, representa um grito por atenção e por inclusão de todo um gênero, um
pedido de socorro ao qual o historiador contemporâneo não pode dar as costas.
Fontes: